16/02/2018

Do Bandeirante à Boeing

O primeiro avião da Embraer foi o Bandeirante. O protótipo da aeronave, porém, foi criado antes mesmo da existência da empresa aérea brasileira. No dia 22 de outubro de 1968, ele fez seu primeiro voo de teste.


Completa transferência da área comercial da Embraer para fora deveria ser evitada

Há 50 anos, o CTA (Centro Técnico Aeroespacial) realizou o primeiro voo do Bandeirante. O desenvolvimento e a produção do pequeno turboélice de transporte levaram à criação da Embraer, no ano seguinte. Nascida estatal, a empresa foi voltada inicialmente para demandas do governo e do mercado nacional.
O próprio CTA decorreu da iniciativa histórica do marechal do ar Casimiro Montenegro Filho, que liderou a criação do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), há aproximadamente 70 anos. Para quem não conhece a história, recomendo a excelente biografia "Montenegro", escrita por Fernando Morais, seguida da história da Embraer, "Nas Asas da Educação", por Ozires Silva.
O complexo ITA-CTA-Embraer é provavelmente o maior exemplo de política tecnológica e industrial bem-sucedida da história brasileira, combinando formação de recursos humanos, inovação e abertura comercial.
O resultado dessa longa empreitada é uma escola aeronáutica de nível internacional e o terceiro maior fabricante de aviões do mundo hoje.
A escola parece preservada, mas notícias recentes indicam que a Boeing pode incorporar a Embraer neste ano (uma perda para o Brasil).
O interesse dos americanos é legítimo, haja vista o sucesso dos jatos comerciais e executivos da Embraer. Há ainda grande potencial de mercado na área de defesa, com o cargueiro KC-390 e o Super Tucano, resultados de investimentos e encomendas do governo brasileiro nos últimos anos.
Um perfeito idiota do mercado financeiro diria que nada disso importa! Que a cifra a ser oferecida pela Embraer incluirá o valor dos investimentos passados e a expectativa de lucros futuros. O idiota está certo: em economia, o valor de mercado reflete, pasmem, as expectativas de mercado.
O que está de fora dessa equação é o valor da Embraer para o desenvolvimento tecnológico brasileiro, uma externalidade que não tem preço de mercado, mas tem grande importância para o Brasil. Por isso o governo tem a golden share.
A perda do centro de decisão e inovação para a Boeing pode diminuir a produção e a pesquisa e desenvolvimento realizados no país em poucos anos. Essa deveria ser a maior preocupação do governo brasileiro.
Nossas autoridades já manifestaram restrições à operação, indicando que pelo menos a área de defesa da Embraer deve permanecer sob controle nacional.
Segundo os mais recentes rumores de mercado, essa alternativa teria sido aceita pela Boeing, que agora prepara uma oferta para incorporar somente a área comercial da empresa.
Mas mesmo a possível alienação da Embraer-comercial merece maior reflexão pelo governo, pois essa tem sido a área de maior sucesso da empresa recentemente.
A Bombardier foi adquirida pela Airbus justamente porque sua aposta em jatos comerciais não deu o resultado esperado. Esse não é o caso da Embraer, cujos jatos comerciais têm hoje mais de 50% das encomendas de aviação regional no mundo.
Obviamente, sucesso ontem não garante sucesso amanhã, sobretudo em um mercado dinâmico como o aeronáutico.
Continuar a crescer sozinha em um cenário de competição internacional mais acirrada é risco (bem-vindo ao capitalismo). Mas, baseado no potencial que a Embraer já demonstrou nos últimos anos, o governo Temer deveria acreditar no Brasil e evitar a completa transferência da área comercial da empresa para o exterior.
Por Nelson Barbosa
Folha de S. Paulo

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